quarta-feira, 22 de agosto de 2012

AFINAL A QUEM PERTENCE A HISTÓRIA DA LUTA ARMADA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL PARA SER DIVULGADA PELO GOVERNO?

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CRÓNICA Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas
Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que às vezes fico pensando, se a burrice não será uma ciência. Ruy Barbosa de Oliveira, político brasileiro
Foi notícia no Wamphula Fax de 12 de janeiro de 2011, edição n° 1252, página 2, sob o título “GOVERNO EMPENHADO NA DIVULGAÇÃO DA HISTÓRIA”, que me deixou tão estonteado a ponto de procrastinar para as próximas edições a crónica sobre o alvoroto popular na Tunísia. A questão da Tunísia deve ser encarada da seguinte maneira: Quando um povo é pontapeado pelos seus governantes, leve o tempo que levar, há sempre um dia em que a factura chega e paga-se muito caro. No tribunal popular (entenda-se do povo), não há espaço para complacência. O voto é substituído pelas artes marciais, porque “o povo é quem mais ordena”. Os regimes democráticos nos discursos, mas déspotas nas acções, que se acautelem porque as revoluções populares, por mais infrutíferas que sejam, são como sarnas que é transmitida ao mais pequeno toque e com o agravante de que cada regime, cada país, coça-se a si próprio.
A notícia é esta: A história e património da Luta Armada de Libertação Nacional, foi mais divulgada junto das instituições e comunidades durante o ano findo em Nampula, segundo um balanço político feito recentemente pelo executivo provincial, que para o efeito, aponta a realização de um total 226 palestras, contra 124 realizadas no ano anterior e que estão a ser promovidas em coordenação com a Direcção Provincial para os Assuntos dos Antigos Combatentes.
Fiquei estonteado com a notícia porque não sei ao certo de que história é que o governo fala! Da Frelimo ou da FRELIMO, pois entre os dois movimentos há uma diferença abismal muito grande. Se tivesse que contabilizar o número de versões oficiais que me foram transmitindo ao longo da minha formatura em três ciclos de ensino e que ainda hoje parte dessas versões oficiais “jazem” nos manuais de ensino no país (que o Sistema jurava até muito recentemente de pés juntos como sendo a verdadeira História de Moçambique), fosse eu um enfermo, talvez já tivesse morrido de excesso de dosagem falseada. Mesmo entre os “Camaradas”, a “verdade” sobre a história da Luta Armada de Libertação Nacional já não rima como acontecia no esplendor do tempo da ditadura samoriana. Na actualidade, conforme o despertar e o bocejar do dia, cada um lança sobre a sociedade civil aquilo que diz ser a verdadeira História de Moçambique.
À partida, julgo não ser sensato por parte do governo que se gaste balúrdio de dinheiro em palestras, em “reuniões de claques” e em outras comodidades próprias de aguçar os apetites de poucos escolhidos de muitas sinecuras que desfilam na nossa pérola do Índico, em mitologias ou em embustes históricos, capaz de assustar a um morto. De que serve divulgar uma história com meias verdades? Quando não se pode divulgar a verdade então não vale a pena promover a mentira.
Não se pode escrever um passado histórico credível sobre a Luta Armada de Libertação Nacional com homilias partidárias.
A Luta Armada de Libertação Nacional não tem étnia, não é sectário de nenhum partido político ou religioso, tão-pouco de nenhuma organização, fundação ou filiação partidária, não é de uns em detrimentos de outros, não é de quem deu ou deixou de dar o primeiro tiro, não é de general X ou coronel Y, não é de ALGUÉM em especial, senão do POVO MOÇAMBICANO, independentemente das condições físicas, raciais, etárias, étnicas ou políticas em que o sujeito se encontra (r). É de TODOS nós. Mesmo dos que ainda estão por vir.
Ela deve ser contada por aqueles que viveram, vivem, e pelos que virão, e não pelos apetites do momento de um determinado grupo de elites. Em certos países (daí o meu questionar sobre a legitimidade do governo nesta iniciativa) o passado histórico nacional é soberano e ultrapassa a barreira de qualquer direcção provincial. É instalada uma comissão mista independente, sem qualquer fronteira partidária, com o intuito de trazer à superfície a verdade relativa sobre o passado histórico em estudo. Noutros países ainda, são os órgãos de comunicação social independentes; as universidades públicas e privadas, as academias e outras “maternidades institucionais” (independentes do governo do dia) que estão por detrás deste tipo de iniciativas.
Portanto, iniciativas deste tipo não devem ser feitas em ‘banho maria’ (às escondidas), sob pena de se perpetuar a mentira. Este é o grande mal que carcoma a nossa história. Que se publiquem as entrevistas feitas, os depoimentos, as auscultações, os documentos recolhidos, etc., de modo a que toda a gente possa dialogar, confrontar e confessar-se com os dados disponíveis, e mais: para dissipar dúvidas, aceitar ou negar os factos apresentados, pois ninguém é dono da verdade. Ninguém tem a verdade absoluta.
Onde está a sociedade civil neste processo?
Meia centenas de pessoas???
Mais adiante, na mesma notícia, lê-se: “Estamos satisfeitos por constatarmos que no ano passado a história e o património da Luta Armada de Libertação Nacional foi mais divulgada, abrangeu muita gente na província de Nampula. Os jovens e a sociedade em geral precisam de conhecer esta história para que possam transmitir as gerações vindouras”, disse um membro do governo provincial. (sic).
Às vezes é preciso ter o descaramento moral de assumir e reconhecer à inabilidade de alguns projectos lançados para, como tem sido esteira no nosso país, fazer a estatística; o que não significa, no meu entender, estar a cometer um erro capital, pelo contrário, é ter a nobreza de reconhecer o mal para melhor redefinir o caminho que se está a percorrer.
Sendo assim, penso que não fica mal ao executivo de Felismino Tocoli e de outros governantes provinciais entretidos na mesma iniciativa (de forma tendenciosa) em reconhecer este erro e fazer um marcha-atrás na iniciativa. Quem tiver alguma dúvida que vá à página da Internet do governo provincial de Nampula (www.nampula.gov.mz ), para ver se encontra alguma informação relacionada com a história e o património da Luta Armada de Libertação Nacional. Absolutamente nada!!!
Ademais, de que património o governo está a falar? O secretário-geral da Frelimo, Filipe Paúnde, publicado no SAVANA (Semanário Independente) n° 868, de 27 de Agosto de 2010, foi peremptório no seguinte pronunciamento: a situação do Museu da Revolução é semelhante a do Chai, onde todos entram e saem, apesar de ser pertença do partido Frelimo. O que não queremos é que o museu seja gerido por pessoas estranhas ao nosso partido.”
Para depois acrescentar “Quem não quiser entrar que não entre. Mas o Museu é nosso e continuará a ser nosso para sempre. A pretensão é que tudo o que sempre foi nosso volte a ser nosso. Dito isto, urge perguntar: AFINAL DE QUEM É O PATRIMÓNIO DA LUTA ARMADA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL? Está para nascer no mundo um país em que um determinado partido político no governo nacionaliza, a seu favor, os bens do Estado. Conforme tenho dito nas palestras com os meus sobrinhos, isto não é grave: o que é do povo, cedo ou tarde, ao povo voltará. Ninguém (nem nenhum partido político do mundo) pode exercer o poder vitaliciamente. Que o diga os reis faraónicos, etc.
E para concluir, lê-se: Ao longo do período em analise, foram atribuídas 43 bolsas de estudo aos dependentes dos combatentes da luta armada de libertação nacional, enquanto que 306 beneficiaram de isenção de pagamento de taxas de propinas nos estabelecimentos de ensino secundário e superior públicos, como são os casos das Universidades Eduardo Mondlane, Universidade Pedagógica e UniLúrio.
Acho bem que se tenha de atribuir bolsas de estudos aos dependentes dos combatentes da Luta Armada de Libertação Nacional. O que não concordo é o critério de atribuição dessas bolsas. Não tem havido uma selecção rigorosa e transparente de modo a que sejam os carenciados a beneficiarem de apoio do governo, e não aqueles que vão para as universidades de Audis ou Pajeros, só porque são filhos, netos, sobrinhos, primos ou enteados dos antigos combatentes. E as nossas universidades estão cheias de casos desses.
Assim vai a nossa pérola do Índico. Terá ou não razão o político Ruy Barbosa???
‘Kochikuro’ (Obrigado).
WAMPHULA FAX – 20.01.2011

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