sábado, 18 de agosto de 2012

«O país está a ficar com piada: Jorge Rebelo no grupo dos “reaccionários”

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Editorial
O País está mesmo a ficar “interessante”, como escreveu há dias Elísio Macamo na ‘rentré’ a cores do jornal diário do Banco de Moçambique. (Um caso também interessante, para além de caricatural, que deve ser único por se tratar de um banco central envolvido com sociedades anónimas).
Está tudo a pôr-se muito “interessante”.
Mais: o País está a ficar com piada. Melhor ainda: está-se a por bom para finalmente podermos acreditar que a democracia poderá vingar entre nós – sem que tenha que depender de ex-beligerantes.
Rebelo percebeu que o vento sopra dos jovens. Terá percebido inclusivamente que a solução está fora da Frelimo. Não o disse objectivamente, porque é da velha escola. Percebeu que pode ser importante tentar salvar a Frelimo, mas mais importante é salvar Moçambique. Percebeu que a Frelimo está em crise profunda. A desmembrar-se? – Tudo tem o seu tempo. Percebeu que as ‘revoltas’, de 05 de Fevereiro de 2008 e de 1,2 e 3 de Setembro último não foram discutidas previamente dentro das estruturas. As revoltas fizeram, isso sim, tremer as ditas “estruturas”.
Nas periferias vive muita gente que nem é de Maputo. Vive mal. Vive num pesadelo terrível. Revoltaram-se. É muita assimetria em demasiados sítios para que consigam aguentar.
Os franceses tiveram de liquidar, na tomada da Bastilha, os poderes ocultos para permitir que a democracia vingasse.
Os portugueses tiveram de desmantelar, no 25 de Abril de 1974, o ‘monstro’ que impedia as várias independências das colónias portuguesas em que nós nos incluíamos.
Os espanhóis tiveram de escangalhar o partido Franquista para, finalmente, aquela que é hoje uma das mais simpáticas monarquias do planeta fosse capaz de sobreviver a par de um governo de cariz republicano, num ambiente plural e respeitador das mais diversas tendências, em espírito democrático dos mais notáveis pelo respeito que existe pelas diferenças.
Outros exemplos poderiam ser dados para fazer lembrar o que foi preciso, noutras latitudes, conseguir-se antes mesmo de ser possível construírem-se regimes realmente democráticos.
Onde não havia guerras por resolver, fez-se de outra forma.
Vem tudo isto a propósito do mais novel desavindo – será? – da nomenklatura que nos tem rodeado: Jorge Rebelo.
Na Frelimo já lhe chamam “reaccionário”. Reflectindo a linha dominante dessa formação política, Elísio Macamo insurge-se publicamente contra a heresia de Rebelo, rebuscando o velho cânone do centralismo democrático de que a roupa suja não é para se lavar na praça pública. Decreta o sociólogo da diplomacia milium: “Um verdadeiro militante faz isso dentro do partido”.
Rebelo, o célebre sisudo que tanto dava para se pensar nele como o ponderado, como o carrancudo, como o macambúzio, como o sério, era uma referência de honestidade, de verticalidade, símbolo dos mais nobres valores em que a Frelimo se revia. Após o Acordo Geral de Paz desapareceu da praça pública. Todos no seio da Frelimo falavam dele quase como o ‘salvador da honra do convento’, quando na Frelimo já andavam a fazer das suas, mas ainda andavam com vergonha de serem ricos depois de durante décadas terem andado a fuzilar compatriotas por defenderem a via capitalista. Que o digam os “chairmen”. Kavandame, por exemplo. Foi ‘crucificado’ por defender o capitalismo.
Uria Simango, um dos verdadeiros fundadores da indignação contra o colonialismo, também. Queria estar no mundo como cidadão de um País. Não defendia o mesmo que os outros, mas sabia que todos, pensassem como pensassem, queriam o mesmo que ele: ter um País livre e Independente em que depois se discutissem, em liberdade, ideias que pudessem ser sufragadas. Foi apelidado de “reaccionário”. Mataram-no alegadamente por ser “reaccionário”. Agora é o Rebelo que também é “reaccionário”. Vai calhando a vez a todos. Virou Jorge, “o Rebelde”.
Abriu a boca para dizer umas quantas verdades. Virou ‘besta’. Era ‘bestial’. Agora caiu em desgraça. Falou “fora das estruturas”. “É a voz dum reaccionário”, admoesta um agent provocateur do partido em espaço reservado no diário do Banco Central.
Rebelo não devia ter dito ao Povo que muitos dos seus camaradas são uns ladrões. Não disse exactamente isso, mas foi a mensagem que ficou. Não disse que “os pretos não devem ser ricos”, como para o denegrirem querem fazer constar. Os que a roubar constroem futuro começaram a estrebuchar e a contorcer-se de raiva. As ‘grandes famílias’ curtem tanto as fortunas conseguidas à custa dos outros que aqui, na Frelimo, não se podia esperar que fosse diferente.
O Rebelo deu-lhes um autêntico ‘kenko’ no bandulho.
Agora dizem que não tinha audiência dentro do Partido e por isso veio falar para a rua. Falou com os jovens. Falou no Parlamento juvenil. Virou ‘besta’. Foi ‘grosseiro’. É ‘burro’. “Não tem cobertura simbólica de nenhuma espécie para reclamar um púlpito moral [sic] a partir do qual possa falar ao povo”.  Que mais lhe irão chamar?
Ainda não lhe chamaram “racista” – porque ainda não foi preciso para tentarem dar-lhe o “nó górdio”. Nem lhe chamaram “tribalista” porque embora seja amiudadamente uma terminologia de recorrência, ainda não terá sido necessário. Nem “regionalista” porque não se devem ter dado ao trabalho de ir ver bem de que região é ele.
No prédio “33 andares”, onde o Sr. Jorge Rebelo tem conseguido dar uma imagem de zelo, com uma equipa sóbria que quase passa despercebida, sente-se que ele próprio tentou criar acomodação para que o capital se sinta bem nos esforços que muitos dos primeiros empreendedores do capitalismo à moçambicana começavam a empreender. Quando andavam a virar o disco Rebelo era a reserva moral. Aceitou o capitalismo, mas a pensar certamente num grau de coerência mínimo. Mais distributiva…
Agora chamam-lhe “romântico” do passado. Rebelo, muito pelo contrário, finalmente mandou o passado dar uma volta. O tal passado em que quem falasse fora das estruturas era mandado para os “campos de reeducação” de que não se sabia se alguma vez de lá se voltava. Quando voltavam vinham tontinhos. Resistiram alguns. Alguns que hoje são cientistas de renome, escondidos na sua humildade, mas marcados pelos seus carrascos para o resto das suas vidas, guardam melhor do que ninguém, nas suas memórias, como eram os tempos em que só se falava dentro das estruturas. Esses tempos em que até para alguém se casar com alguém tinham de ser as estruturas a decidir quem podia casar com quem, quem podia ou não divorciar-se.
Temos vindo a insistir há muito que esta Frelimo é um ‘monstro’. Em sentido figurado, obviamente. A acumulação de ‘monstrinhos’ nela, fez dela um clube de ‘invertebrados’ que quando vêem um querer deixar de ser ‘extraterrestre’ logo lhe caem em cima.
O lado positivo disto tudo é que o tempo é implacável e a idade não perdoa.
O Partido Frelimo ao lançar os seus ‘pivôs’ em mais umas experiências para medir a temperatura ambiente só dá mostras de estar a esfrangalhar-se e por mais que alguém insista em dar-lhe vida Moçambique só tem a ganhar com isso.
Estamos no bom caminho. Ter mais um no role dos “reaccionários” é sempre um prazer. É um prazer que sobretudo não é mórbido, patológico, lânguido.
Assim realmente o País está cada vez a tornar-se mais interessante.
Um dia o País poderá finalmente orgulhar-se de ter tido um movimento com um nome que aglutinou todas as tendências para tornar este grande espaço territorial numa Pátria unida, próspera, solidária, com cidadãos simultaneamente ricos e honestos.
Por isso há quem pense que Jorge Rebelo é bem-vindo ao grupo dos “reaccionários”. Veremos o que se seguirá. A luta é contínua. “Venha mais um!”
Canal de Moçambique – 10.11.2010
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