sábado, 18 de agosto de 2012

Polícia moçambicana criticada

Polícia moçambicana criticada
policO relatório sobre a situação dos direitos humanos na África Austral, produzido pelas Organizações Não Governamentais desta região, foi ríspido contra a actuação da polícia moçambicana na repressão aos manifestantes que, em Setembro de 2010, saíram as ruas para  protestar contra a alta do custo de vida nas cidades de Maputo e Matola.

A capital gambiana, Banjul, acolheu de 25 a 27 deste mês, um Fórum das ONG’s africanas, um evento que se realiza à margem da 49ª sessão ordinária da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que arranca nesta quinta-feira.
A Gâmbia, um pequeno país da África Ocidental, que sobre¬vive a base do turismo e cujo presidente reivindica ter po¬deres para curar a SIDA e não tolera críticas, alberga a sede permanente da Comissão Afri¬cana dos Direitos Humanos e dos Povos.  Em 2007, um alto responsável da ONU foi expulso da Gâmbia depois de ter desa¬fiado a declaração da cura do HIV/SIDA por Yahya Jammeh.
Jammeh dirige a Gâmbia com mão de ferro, desde sua chegada ao poder em 1993, após um golpe de estado, raros são aqueles que têm coragem de duvidar da palavra do Chefe.

Revisão
As ONG’s reunidas em Banjul passaram em revista a situação dos Direitos Humanos em cada uma das regiões africanas.
Atenção especial foi dada à situação dos direitos humanos no Sudão, Argélia, Líbia, Tu¬nísia, Costa de Marfim, Nigéria,  Burquina Fasso e República Democrática de Congo, países onde o respeito pelos direitos humanos é crítico.
As ONG’s apelaram às autoridades destes países para que demonstrem tolerância, que permitam a expressão de opiniões diferentes e que respeitem os princípios fun¬damentais dos direitos hu¬manos inscritos na Acta Cons¬titutiva da União Africana e na Declaração dos Princípios da Liberdade de Expressão adop¬tada em Banjul.
Incumbida para dar o ponto de situação dos direitos hu¬manos na África Austral, a activista do Instituto sul-africano dos Direitos Humanos, Corlett Letlojane, criticou duramente o uso desproporcional  da força na repressão pela Polícia de manifestantes que protestavam contra a alta do custo de vida em Moçambique em Setembro de 2010.
Durante as manifestações de 1 e 2 de Setembro do ano passado pelo menos uma dezena e meia de pessoas perdeu a vida e outras centenas ficaram feridas.
Letlojane censurou igual¬mente a falta de abertura do Governo moçambicano em relação aos direitos das mi-norias sexuais e o deficente acesso aos antiretroviráis.
Em Moçambique, a homos¬sexualidade é um fenómeno que continua a constituir tabu e fonte de forte controvérsia.
Mas a discriminação não é um fenómeno estranho para Danilo da Silva, jovem mo¬çambicano que se assume abertamente como homosexual e que participou no Fórum das ONG’s em Banjul em nome da LAMBDA.
Tal como vem fazendo, Danilo da Silva voltou a criticar a inércia governamental em reconhecer a LAMBDA. Recor¬dou que há três anos que a LAMBDA submenteu um expe¬diente para o reconhecimento legal da associação pelo Minis¬tério da Justiça, mas que até hoje as autoridades moçambi¬canas ainda não deram res-posta.
“Estamos satisfeitos por ver o nosso trabalho de advogacia que já dura há anos reflectido neste fórum”, notou Danilo da Silva, quando abordado pelo SAVANA em Banjul.
Vários intervientes do grupo das chamadas “minorias se¬xuais” viraram as suas baterias para a questão de estigma e a intolerância que ainda reinam em países como Moçambique, Tanzânia, África do Sul e Angola, um tema que apaixonou acalorados debates.
“A criminalização da prosti¬tuição e homossexualidade bloqueia a possibilidade de assistência médica e legal aos seus praticantes”, notou o activista nigeriano que se identificou apenas por Iegó.
Estas reclamações foram feitas num país em que em Maio de 2008 o excêntrico presidente Yahya Jammeh assegurou que iria “cortar a cabeça” de qual¬quer homossexual apanhado em Gâmbia.
“Gâmbia é um país de crentes, as práticas pe¬ca¬minosas e imorais como a homossexualidade não serão toleradas neste país”, disse o presidente, num comício em 15 de Maio de 2008.
Na reunião das ONG’s que durou três dias, Moçambique foi representado por activistas da Liga dos Direitos Humanos (LDH), Centro de Estudos Moçambicanos Internacionais (CEMO), Associação Moçam¬bicana de Mulheres de Carreira Jurídica (AMMCJ), JUSTAPAZ e LAMBDA.
O discurso da activista sul-africana, que falava em nome da região da SADC, arrancou demorados aplausos de repre¬sentantes destas organizações nacionais no capítulo relativo a Moçambique.

Refugiados
A questão dos refugiados em África, um tema sempre presente no continente devido a vários conflitos existentes, foi também alvo de debate na reunião das ONG’s em Banjul.
O moçambicano Constâncio Nguja, representante do CE¬MO, reconheceu que Moçam¬bique tem demonstrado von¬tade política de acolher refu¬giados dos outros países, mas peca por não ter uma política interna clara de tratamento desta matéria, situação que resvala para a diluição dos direitos destes.
Nguja, que falava no grupo de trabalho sobre os direitos dos refugiados, deslocados e imigrantes, afirmou que tal vontade política é vista a partir do centro de refugiados de Maratane, na província de Nampula, que hoje alberga acima do dobro da sua capa¬cidade instalada.

“Moçambique deve especi¬ficar a sua política de aco¬lhimento de refugiados e, se acreditarmos que a maioria vem dos grandes lagos, devemos jogar um papel relevante na solução dos conflitos naqueles países. Devemos também ajudar na solução de potenciais conflitos no Zimbábwe e Sua¬zilândia que são os próximos `abastecedores´ de refugiados em Moçambique”, notou Nguja, investigador do CEMO.   
Já a moçambicana Bela Lithuri, do AMMCJ, preferiu focar a sua intervenção nos direitos das mulheres, um grupo que em Moçambique continua a ser discriminado quando chega a hora de exigir os seus direitos.
“A lei das sucessões não protege o cônjuge sobrevivo quando se verifica a morte do outro. O cônjuge vivo vem em quarto lugar após os seus des¬cen¬dentes, ascendentes, irmãos e seus descendentes, o que não se mostra coerente com a realidade actual”, criticou Lithuri.
A jurista fez notar que a mulher é que sofre mais com a morte do marido, sobretudo, num cenário em que não há filhos.
“O cônjuge sobrevivo devia estar na mesma linha que os ascendentes e descendentes”, entende Lithuri.
Notou igualmente que Mo¬çambique tem actualmente uma lei da violência doméstica contra a mulher, que abrange também o sexo oposto, pondo em causa a questão de discriminação positiva relativamente à protec-ção dos direitos das mulheres constantes em vários instru¬mentos ratificados pelo Estado, dentre eles, o protocolo de Maputo.

Zimbábwe e Angola
Na avaliação da situação dos direitos humanos na SADC, a activista sul-africana acusou igualmente o regime de Harare de fazer uso de prisões, torturas, assassinatos e leis repressivas para bloquear os direitos dos cidadãos a mudanças políticas.
Sobre Angola, um país de expressão portuguesa, a acti¬vista destacou  prisões muito longas antes do julgamento, bem como restrições à liberdade de expressão, imprensa, reu¬nião e associação.
As ONG’s recordaram que foi em resposta às pressões no campo dos direitos humanos exercidas por forças internas e externas da sociedade civil, que chefes dos Estados africanos adoptaram a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos  e estabeleceram uma Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
A Carta foi adoptada em 1981 em Banjul pela então Organização da Unidade Afri¬cana, hoje União Africana, entrando em vigor em 1986 (nos termos do artigo 63 da Carta).
 

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