sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Uma reflexão acerca das divergências durante a luta de libertação nacional

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Reflexão
Por JOAQUIM NOTICE1, EURICO BAPTISTA2  e LUÍS M. MENO3
IINTRODUÇÃO

No presente trabalho abordaremos o Comité Revolucionário de Moçambique (COREMO), privilegiando os aspectos relacionados com a origem, participação e “desaparecimento”, com recurso a pesquisas bibliográficas4 e depoimentos5 dos combatentes da luta de libertação nacional e de membros dos movimentos que coexistiram antes e depois da fundação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). A pesquisa pretende trazer uma perspectiva histórica para discussão sobre o papel assumido pelo COREMO no processo da luta de libertação nacional e, como se assegura na gíria popular, aproveitar o útil ao agradável, pois, estamos num período em que a FRELIMO completa 50 anos da sua existência. Assim, no trabalho apresentaremos o desenvolvimento, consequências e seu impacto no actual cenário político moçambicano, sempre na perspectiva académica, partindo da fundação de movimentos nacionalistas, duma forma geral, sugerindo um quadro mais amplo que envolve vários actores e factores que concorreram para o surgimento de dissidências nos vários movimentos ao longo da luta de libertação, sem obscurar a natureza dos conflitos que acompanharam este processo.

COMITÉ REVOLUCIONÁRIO DE MOÇAMBIQUE

A constituição da FRELIMO não foi um processo linear, como se pode depreender. Os três movimentos constituintes da organização (UDENAMO, UNAMI e MANU) eram distintos e largamente influenciados pelas afinidades culturais dos países de acolhimento, pelos tipos de organizações existentes na tradição colonial inglesa e, principalmente, pelo não conhecimento mútuo total.

A UNAMI, fundada em 1958, na circunscrição de Moatize, e oficializada no Malawi em 1961, definia-se de forma mimética em relação ao Malawi Congress Party. Em 1960 constituiu-se a UDENAMO, em Salisbury, que se inspirava no African National Congress/Zimbabwe African People United (ANC/ZAPU) e no sindicalismo da Rodésia do Sul. O MANU, fundado em Tanganhica, em 1961, inspirava-se e estava muito ligado ao Tanganhica African Nation United (TANU).
Alguns destes movimentos tinham uma visão etno-regionalista da independência e mesmo a forma da sua obtenção era assunto de acesos debates, com uns a optarem pela luta armada, outros pela via negocial e a da acção das Nações Unidas. A UDENAMO, por exemplo, era o único movimento que reunia moçambicanos com níveis académicos relativamente acima de média entre os movimentos de libertação. Por via disso, na Tanzania eram evidentes divisões e conflitos regionais entre esta organização fundada por moçambicanos originários do sul de Moçambique e o MANU, composto essencialmente por moçambicanos de origem maconde.
Entre os dias 30 de Maio e 2 de Junho de 1962 realizou-se em Acra, Gana, a Conferência dos Movimentos de Libertação Africanos (All African Freedom Fighters Conference). Para representação moçambicana foram convidados o MANU e a UDENAMO. Foi na sequência  desta conferência que a UDENAMO e o MANU se fundiram na noite de 1 de Junho de 1962, formando-se, pela primeira vez, a FRELIMO e tendo Adelino Gwambe sido eleito presidente.
No seu regresso a Dar-es-Salaam, a FRELIMO nascida em Gana não viria a reunir consenso da maioria como se esperava, devido à ausência da UNAMI em Acra, bem como a liderança de Adelino Gwambe, devido à sua tenra idade (21 anos) e porque, entretanto, havia aumentado o número de refugiados moçambicanos em Dar-es-Salaam. Em consequência, agendou-se e realizou-se a magna reunião no dia 25 de Junho de 1962, onde foi refeito o projecto de unificação; constituiu-se a FRELIMO, reestruturou-se a organização e foi formado o Comité Central que presidiu ao Iº Congresso em Setembro de 1962, onde Eduardo Mondlane viria a ser reeleito presidente da FRELIMO e Urias Simango, vice-presidente.
A aparente unidade conseguida com a fundação da FRELIMO, como referimos, era precária e estava minada por ideias retrógradas, pelo tribalismo, regionalismo e racismo. No período comprendido entre 25 de Junho de 1962 e 25 de Setembro de 1964, muitos membros fundadores foram expulsos da FRELIMO e da Tanzania pelo Governo e outros simplesmente decidiram abandonar a Frente. Em finais de 1962, foi expulso da FRELIMO Adelino Gwambe; em 1963 foram expulsos David Mabunda, Paulo Gumane, Mateus Mmole, Fanuel Malhuza e Baltazar Chagonga e, em 1964, foram expulsos Leo Millas, Amos Sumane, Joseph Chitenge e outros militantes.
Tentativas feitas para persuadir o regresso dos desertores não foram bem sucedidas porque a situação já estava, por si, deteriorada. Maior parte dos dissidentes não aceitou voltar ao movimento sob direcção de Mondlane. Assim, a FRELIMO não conseguiu evitar o surgimento de falanges independentistas que preferiram criar outros movimentos nacionalistas para, do mesmo modo, lutar contra o colonialismo, a partir dos países de acolhimento. Foi na sequência destas dissidências que se fundou o COREMO, na Zâmbia. Na verdade, o COREMO e outros grupos dissidentes são a consequência das divergências internas surgidas na FRELIMO logo após a sua fundação.

1 Licenciado em ensino de História e de Geografia pela UP/M e mestrado em Educação: Currículo pela PUC/SP. Docente e director dos Cursos de História e de HIPOGEP na UP/B
2 Licenciado em ensino de História pela UP/B, coronel das FAM
3 Licenciado em História pela UEM e docente dos cursos de História e de HIPOGEP, na UP/B
4 Documentos constituídos por livros, comunicados de imprensa e constituições dos movimentos, artigos e informação processada na Internet.
5 Entrevistas em Chileka (Malawi), Zumbo e Marávia (Tete) e, em Nyimba (Zâmbia) DIÁRIO DE MOÇAMBIQUE – 16.04.2012
Uma reflexão acerca das divergências durante a luta de libertação nacional (fim)
Reflexão
Por JOAQUIM NOTICE1, EURICO BAPTISTA2  e LUÍS M. MENO3
As divergências que surgiram na FRELIMO, as quais fazemos menção, foram acompanhadas pelo reaparecimento diversificado dos partidos originais a reclamar representatividade, como foram os casos da nova UDENAMO, nova MANU, do Mozambican Revolutionary Council (MORECO) e outros grupos. Tentativas feitas pelo Governo da Zâmbia e pela UDENAMO para a unificação dos movimentos numa única organização redundaram num fracasso devido à “mão de ferro” da FRELIMO, o que precipitou a ruptura definitiva. Deste modo, é constituído o COREMO a 31 de Maio de 1965, em Lusaka, na República da Zâmbia. Com apoio garantido de alguns países africanos, sobretudo da Zâmbia, da China e do leste europeu, o COREMO propunha-se a libertar Moçambique através da luta armada e aceitar outros métodos progressivos para pôr termo ao colonialismo português. O EREPOMO, braço armado do COREMO, levou a sua primeira acção em Zumbo, a norte de Tete, a partir de Novembro de 1965. Realizou operações militares com algum sucesso até finais de 1967, altura em que iniciam as crises na liderança que culminariam com a expulsão de Adelino Gwambe e a eleição de Paulo Gomane para presidente do COREMO. O movimento prosseguiu a luta até finais de 1971, mas sem sucessos iniciais e acabou se desagregando com deserções dos seus líderes e guerrilheiros, uns para FRELIMO e outros abandonaram o projecto de libertação. Em princípios de 1972, desapareceu o COREMO como movimento guerrilheiro.
A 25 de Abril de 1974 ocorreu o golpe de Estado em Portugal e abriram-se novas perspectivas para os movimentos de libertação africanos, particularmente, moçambicanos. No período de Junho a Agosto de 1974, constituíram-se mais de 20 partidos políticos em Moçambique com vista ao referendo e às eleições. Em Julho de 1974, na cidade da Beira, ressurge o COREMO que em parceria com GUMO e FUMO formam o Partido da Coligação Nacional (PCN), liderado por Urias Simango, com propósito de participar nas conversações sobre a independência de Moçambique.
Contudo, ao longo das conversações a delegação portuguesa propôs a presença de outras forças políticas moçambicanas merecedoras de participarem nas discussões sobre o futuro do país, mas a FRELIMO reprovou a proposta. Assim, a 7 de Setembro de 1974, foram assinados os Acordos de Lusaka entre a delegação da FRELIMO, representada por Samora Machel, e a do Governo português, liderada por Mário Soares. Nos termos do acordo firmado, os poderes seriam transferidos para a FRELIMO e não se previa realização de eleições democráticas.
Membros do PCN e de outros partidos políticos moçambicanos presentes em Lusaka com intenção de pressionar as duas delegações para participar nas conversações finais foram detidos pela segurança zambiana e enviados para a base da FRELIMO em Nachingwea, Tanzania. Assim desapareceu, definitivamente o COREMO.

CONCLUSÃO

O COREMO, como explicamos antes, foi um movimento criado por dissidentes da FRELIMO que, a seu modo, participou na luta de libertação a partir da Zâmbia, realizando acções militares de guerrilha, preferencialmente, ao norte da província de Tete. Devido à sua natureza e ao tipo de conflitos políticos internos ocorridos ao longo da sua existência como movimento de libertação, nunca foi reconhecido pelo Comité de Libertação da OUA e pelos estadistas dos países vizinhos de Moçambique, à excepção da Zâmbia. Daí, pensamos, seja razão fundamental do desmoronamento do seu projecto nacionalista.
Com modus faciendi sem apoio popular numa guerra de guerrilha, com suporte de militantes mobilizados por meio de raptos e aliciamento material e, com um nacionalismo autoritário à “mistura”, o COREMO não sobreviveu o tempo suficiente para saborear a almejada independência. Desapareceu em 1972. Mesmo depois do seu reaparecimento furtivo em 1974, à luz do golpe de Estado em Portugal, não foi capaz de se impor como uma alternativa política em Moçambique e acabou desaparecendo definitivamente depois dos Acordos de Lusaka, sem glória.

1 Licenciado em ensino de História e de Geografia pela UP/M e mestrado em Educação: Currículo pela PUC/SP. Docente e director dos Cursos de História e de HIPOGEP na UP/B
2 Licenciado em ensino de História pela UP/B, coronel das FAM
3 Licenciado em História pela UEM e docente dos cursos de História e de HIPOGEP, na UP/B
4 Documentos constituídos por livros, comunicados de imprensa e constituições dos movimentos, artigos e informação processada na Internet.
5 Entrevistas em Chileka (Malawi), Zumbo e Marávia (Tete) e, em Nyimba (Zâmbia)
DIÁRIO DE MOÇAMBIQUE – 17.04.2012
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