quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Discurso do Prof. Dr. Adriano Moreira

  Discurso do Prof. Dr. Adriano Moreira


 
Meus Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores:
Começando por agradecer a honra que me deram de, mais uma vez, me convidarem para presidir ao vosso Congresso, queria corresponder ao convite dizendo algumas palavras de encerramento desta  sessão tão importante para a vida portuguesa.
E o primeiro ponto que gostaria de abordar é o seguinte: constantemente, sempre que um período agudo da vida política portuguesa se declara, os problemas do que foi o Ultramar Português  e os problemas dos deslocados, retornados e espoliados voltam ao debate público e a mim parece-me que são interesses excessivamente importantes para que sejam lembrados ou esquecidos ao sabor das conveniências dos debates eleitorais.
Os deslocados, os retornados, os espoliados, são êles próprios a expressão viva duma amputação dos interesses nacionais e são eles próprios que devem, como têm feito, manter a iniciativa e a autonomia da defesa da restauração de dignidades que foram ofendidas, de interesses que devem ser reparados, mantendo uma autoridade que lhes não pode  ser negada em relação aos intervenientes nos pleitos eleitorais porque são eles que precisam do apoio, do julgamento, da adesão, dos que foram vitimas dum processo descontrolado, não são eles que podem trazer qualquer benefício ou conforto àqueles que aqui estão representados.
 Queremos que essa dignidade seja respeitada, trata-se de uma situação de injustiça, trata-se da representação viva de um acontecimento fundamental na vida portuguesa, são os senhores que representam e assumem isso, é um valor permanente, não está dependente das contingências e interesses eleitorais.
 O segundo ponto que gostava de sublinhar:     constantemente, o julgamento do processo da chamada descolonização  é trazido à consideração pública e certamente  não é difícil atribuir às emoções de quem esteve envolvido no processo, porque não lhe foi dado  participar nas decisões, os julgamentos tão frequentemente e fundamentalmente  condenatórios  dos caminhos que esse processo seguiu.
 Simplesmente acontece que foi hoje  aqui citado por um dos oradores o director geral da UNESCO,  Sr. Federico Mayor.  Esse director geral da UNESCO publicou um livro importante que se chama « Manhana  siempre es tarde» (Amanhã é sempre tarde). Esse livro faz a síntese daquilo que é hoje a situação dos territórios onde vários países  e nós, tiveram responsabilidades colonizadoras.
 O inventário das carências é aterrador. Há  regiões em que nós exercemos o poder  onde morre uma criança de fome por minuto! Não somos nós que precisamos  hoje de fazer a contabilidade  dos resultados. A contabilidade está feita com autoridade, designadamente, por este citado director geral da UNESCO.
 É necessário reconhecer que, à margem dos responsáveis pelo processo político, em que os senhores não participam, a retirada a que foram obrigados os colonos, significou a retirada das traves-mestras em   que assentavam a regularidade da vida civil dos territórios.
 Quando se lê o livro, este livro de Federico Mayor, nós sabemos que em relação a cada uma daquelas calamidades da vida civil que ali se encontram, a cada uma das  carências enormes, inimagináveis, que afligem aquelas  populações, na base disso está, indiscutivelmente, o vazio  que foi deixado pela retirada de cada um dos senhores. E, por isso, me tem parecido que não é de mais dizer e sustentar:  nós podemos fazer, e devemos fazer, um julgamento do processo político português;  os aparelhos políticos  têm de tomar as suas responsabilidades em relação a cada época; mas, a presença portuguesa nesses territórios, a organização da sociedade para enfrentar os desafios do mundo moderno em que esses territórios estavam a integrar-se, a criação da sociedade civil que estava em curso, isso não foi obra dos políticos, não foi, fundamentalmente, obra dos políticos, foi obra da gente que está aqui e que não tinha responsabilidades políticas.
 E é por isso que, todos os que tivemos responsabilidades no aparelho  político , eu também, julgo que devemos ser humildes perante os desafios a que nenhum de nós foi capaz de responder.
 Cada um tem de Ter a atitude de assumir a incapacidade  de ter enfrentado esse desafio, mas não pode somar ao facto de todos terem sido excedidos pelos desafios, a passividade perante a possibilidade  de ainda reparar as injustiças que estão vivas, as injustiças de homens vivos que ainda está  ao nosso alcance reparar, aqui e lá.
 E é por isso que, embora não me  reconheça nenhuma autoridade  para o fazer, pela circunstância de me terem dado a honra  de  presidir a este Congresso, eu me atrevo a dizer que merece reconhecimento  público o trabalho cívico que tem sido feito pelas vossas Associações e sobretudo o sentido de responsabilidade com que têm  sempre actuado, porque a maior parte dos senhores, que viu ruir o trabalho de uma vida inteira, que viu desaparecerem as perspectivas  e as esperanças de uma vida totalmente dedicada ao trabalho naqueles territórios, não se tem movimentado nunca ao sabor das paixões das conjunturas portuguesas --- tem continuado a dar aqui o exemplo da responsabilidade em função dos interesses nacionais e eu penso que este Congresso é mais um exemplo dessa   capacidade serena de enfrentar o infortúnio e os  tempos afortunados, mantendo o animo para todas as circunstâncias.
 E, por isso, espero  que o movimento seja recompensado, que os resultados venham corresponder aos esforços devotados com que todos  contribuíram  para  a tarefa que os novos tempos,  e o tempo que já passou e que nos permitiu  esquecer algumas amarguras, ser mais benevolente para com algumas injustiças nos ajudem a reparar que, entretanto,  alguns vão caindo e que acontece a este combate que quanto mais tempo dura, mais  diminui a causa dele porque as pessoas vão desaparecendo.
 Que se reconheça que, neste momento em que temos esperança de que venham a estabelecer-se outros padrões na nossa vida internacional, caminhemos para uma sociedade mais pacífica, mais cooperante, menos  conflituosa, em que o regresso de Portugal a  África se possa  fazer em novos moldes, porque, o que ruiu foi um sistema político que tínhamos, não ruiu a área em que nós actuámos, e que nós criámos, e que nós identificámos. Que neste momento, em que um dos valores portugueses que  são postos em evidência é o do  nosso capital de experiência em relação a esses territórios, se reconheça que grande parte dessa experiência está viva, está aqui, e está disponível  para servir o País.